sábado, 30 de outubro de 2010

Chovendo...


Bachelard fez da poética de uma vela acesa uma reflexão das mais profundas e belas de que já vi sobre os momentos de solidão pelos quais homens e mulheres vivenciam vez ou outra. Uma solidão que, na presença de uma vela, difere do estar sozinho pois é a luz a presença do Outro. Da luz as lembranças de um amor, de uma amizade ou a meditação sobre a nossa própria condição de estar no mundo.

Gotas de chuva no telhado parecem nos encaminhar pra um estado de contemplação interior como quando em presença da solidão de uma vela acesa. A chuva começa a cair – não importando os burburinhos e vozes de dentro da casa – e, logo, seu silêncio transparente inunda nossas mentes, apagando todos os ruídos externos. É quando a chuva pega pela mão de cada um e conduz todo ser pra sua toca, pra seu ninho mais íntimo, imanente. Tudo se apaga, somente tudo água caindo.

O silêncio da chuva inunda com a força de um trovão de luz. Embora a semelhança entre aquela e uma vela ardente ao nos colocar em solitude – melhor dizendo, em nos acompanhar de mãos entrelaçadas pela solitude –; enquanto a vela acende, a chuva apaga.

É da natureza da chuva lavar, purificando tudo o que há, alcançando os limbos das plantas, os veios da terra, os ouvidos dos canários e dos seres de mente humana; limpando as palavras mal ditas, as ações sem intenções de bem e os valores que não valorizam. Somente o Sol fica de fora, que não precisa de pureza maior que a água; já tem luz própria.

A chuva que cai com desprendimento, que se derrama sem apego a sua nuvem-mãe e sem medo da altura de seu salto ou da superfície que fará seu amortecimento, nos traz a gentil lembrança de que o medo e o apego total às coisas não devam ser a condução para nossas existências. Há um propósito maior na vida de cada um, de cada ser, do homem às pétalas de água que, agora, forjam minha cabeça a sonhar como Bachelard, sonhos de água e de vela.

Encher os bebedouros da Terra com água e valores de água quiçá seja o propósito que vem do céu. Ouvir seu silêncio imaculado, deixar que o tilintar da chuva nos dissolva das máculas do pior dos mundos – esta sociedade – e que recarregue nossos mananciais de vida e esperança é uma dádiva e ocasião de regozijo. Que cada chuva seja um presente, uma oportunidade de silenciar e deixar sentir o que virá, de entrar em comunhão mais profunda entre o Eu e o Eu mesmo.

Chovendo...

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Gente, eu sou normal!

Dedico estas palavras às pessoas normais. E talvez seja uma forma de desculpar-me pelo constrangimento que as faça passar ao longo dos dias; ou, até, o medo que eu possa as incitar. Lamentavelmente, eu sou assim. Vivo de drogadição. Não há dia que eu não saia em disparada – como um crocodilo em ponto de fuga – em busca de amenidades. Calço um tênis surradinho, corpo e mente nus, e parto pro topo do morro. Ali onde me espreitam. Mas como boa moradora, o morro me assegura dos olhares perpendiculares. Basta encarar a montanha, posição namaskar, olhos fechados sentindo o abismo apaziguador. Levanto voo. Enquanto os carros passam às gargalhadas, agradeço o instante de alma liberta. Estou blindada.

E pouco importa o que pensam, ou o que dizem, ou com qual dedo me apontam. Aos que desviam seus passos pro outro lado pelo receio de roubar-lhes sua sensatez e sua moralidade, e aos que chegam mais perto pra ouvir o que canto, eu explico. Meu vício vem de cima. Dependo do Sol, da fuligem do vento, do torto da nuvem, do desmaio das estrelas. Não sou normal. Sou cativa do alto. Meus companheiros de cela são os bem-te-vis, o que rende muita música.

Por isso, não me condenem. A falta de pudor vem do céu – ser livre de nudezas – e eu descendo dele. Como ele, preciso sentir o vento passando em espirais pelos espaços do meu corpo. Dependo do alimento que não entra pela boca, mas pelas suturas mal feitas da pele. E são os assobios enrolados dos pássaros que me salvam, diariamente, desse mundo de normalidades e imitações prestigiadas.

De agora em diante, ao me encontrarem correndo, fiquem tranquilos. Vocês não são presas. Detesto gente normal. E nem adianta gritar meu nome, eu não vou ouvir. Vocês são surdos e escuto Chopin. E antes que esqueça; o balanceio dos meus braços seguido de namaskar, não é benzedura... É meu equilíbrio, é meu elo com o imanente – que desconheço –, é meu respiro cansado de um ar poluído e melancólico.

Bendita corrida do entardecer...

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Cigana

pelas aragens
um pouco às margens
dos olhos
ia

de um lado
pro outro
com a confiança de um haboob no Egito

cruzando céus
escuros prantos
plátanos
prados que não são seus
são de ninguém

pelas estradas
a promessa de um novo mundo

pro lado
de um outro
mas com a astúcia de um saltimbanco

dourados
rendados
mãos videntes

ia
os salteadores de caminhos

domingo, 29 de agosto de 2010

Esboço reticente

Alças voo sem que eu explique o que foi aquilo. Aquilo que não digo. Aquilo que nem sei por que sinto.
Sinto.

Lá fora a chuva cai sem esperança de que algo vingue. No imo peito vingo-me por não ter te olhado mais longamente, por não ter me agarrado como picão na tua aura cor de nuvem e nela voado um pouco mais.

Cada minuto que reclama é uma gota a menos de ar nos pulmões; e, assim, o céu vai murchando. Você mais longe. Longe mais perto da lembrança que não foge. E não finjo o sorriso que te dei e o vermelho que manchou meu rosto. Minha boca já salivava tua música, aquela que antecede a dança descompassada das gaitas, resultado de um roteiro improvisado e sem compromisso.

Lá fora a chuva já não cai, e minha angústia é só mais uma em mil... Por não ter nascido antes de Halley e porque no dia em que picavas legumes eu não te encontrei no corredor daquela árvore. Meu apartamento era o 203!

E agora que eu te encontro, você escapa. E o cosmos ri de mim pela segunda vez. E eu rio desse desabafo porque, afinal, eu sou uma nefelibata, uma tola. Minhas asas nunca ombrearão com as tuas. Rio com o sotaque de um trovão de luz. Câmera. Ação. Brincadeira de menina...

Sem mais cena, mas ainda com uma agonia na alma e uma vontade de repisar o não dito, de ter contado 1,2,3,4,5 e mais tempo minha mão pousada em ti, tenho naquele ensaio um ex-voto de que foi só um começo. Um longa-metragem só depende de ti.

sábado, 14 de agosto de 2010

BlogBlogs.Com.Br

Latitude -15° 46' 47''

Essa carta vai pelo vento mesmo. Selada a ar, a pingo, a espírito. Como era no princípio de todos os séculos e séculos, amém. Amém que o vento te encontre – como foi naquela noite esbaforida, numa esquina qualquer da vida –, te tope no ar, e grite: "Carta dela! Pega e assina aqui". Claro, carta registrada pra garantir. Garantir meu perfume percolando nas veias de tua mente. Garantir teus lábios em cada letra do meu nome. Nome que omito, mas reviro em todos os entardeceres no meu diário inacabado de desdéns. Desdéns que é nada demais pra uma engole-ventos, viu? Eu sei suportar as correntezas incontidas de um sopro grave: é só me agarrar a elas. Como o faz um coração preênsil. Aquele que se ancora nas margens, no topo, na raiz dos kardios adolescentes, sugando-lhes a seiva e o fulgor.
Foi assim que fizeste. Chegaste em remansos. Abusaste da oratória. E com pinta de poeta, cantou um hino de amor inabalável. Abalou o que não podia ter abalado. Meu marco zero. Meu princípio de ser. Ser livre. Ser vento. Fui engolida.

Mas por carta, mando lembretes para que não esqueças quem sou. Ou o que fui. Fui tua. Você dizia. E eu acreditei. Acreditei que pudesse ser além do que eu era. Acreditei que pudesse remasterizar aquele disco antigo, nossa trilha sonora, lembra? E agora que o telefone toca, eu penso: fui tua mesmo? Liga outra vez!

Vento amigo, mando dizer mais. Alerte de que minhas rêmiges não estão mais no mesmo ângulo. Elas nem lembram que eram penugens ralas e infantis: elas não balançam mais com águas covardes.
Águas passadas...
E mesmo que venhas por terra, mar ou nas asas de outro pássaro, ou se já me estás a esperar naquela esquina maldizente de cenário em lua afoiçada. Não cola. Não acredito. Liga outra vez!

Então eu juro. Juro por todos os santos e orixás que esta é a última carta, e serve pra isso. Pra dizer que não acabou, mas suporto. Minhas timoneiras é que me salvam deste voo-sem-bater-de-asas.

Agora senta e leia a carta.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Bosque cerrado

não é a idade que
ensina
é a acuidade do olho
a presteza da alma

o passarinho
não me foi quem contou
foi o torcido
dos galhos
de uma árvore
que
um dia
me embalou

quarta-feira, 28 de julho de 2010

não-me-quer

pra que serve o Vento
senão pra se fazer lembrar?

pra árvore tremer de frio
a cada assoprada?
a estrela brilhar em esteria
sem
sequer
ser lembrada?

pra que serviu o Vento
senão pra me fazer
[sonhar...

pra despedaçar margaridas,
bem-me-quer
mal-me-quer?

pra que serve o Vento
se não mais balança?

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Hélio

tinha um jeito dourado de pronunciar palavra
de tocar lábios,
pisava
de
va
ga
rinho
o céu

nem tocava a nuvem
mas sempre estava lá em cima,
quase todo dossel

nem via quando o vento vinha
só corria
disputando corrida –
brincadeira de quem está apaixonado

na verdade
eu que estava avermelhada de amores,
tola menina da torre
nem via que o que via
era o sol –
a mentira
dos passos largos

a verdade
é que
depois do raio lançado ao coração,
já era

diz a lenda que hélio –
fulguroso do céu
submete as meninas
a arder
pra sempre



[venha raio,
essa eu eu pago pra ver!

terça-feira, 13 de julho de 2010

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Redentor

uivos,
cachorros,
[tiros

o vento
que venta
esbaforido

Beatles,
abelha noturna!

[ai,
saudades de casa!
o Rio não me fará falta.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

valeuma,

tudo o que vivemos
não representa mais

verdade

Valongo
já foi há tanto tempo!


velozmente
o valente
vento
vo
ou

quarta-feira, 7 de julho de 2010

sota-vento

Na imensidão dos olhos dele, o mar. Lugar onde se ama. Onde o sol perde o rumo. Se acha. Onde nos achamos.

Era outono. Um dia exato de incerteza. Delírios, devaneios tortos ao léu. O vento. Vento brando, trazendo o doce à boca e empurrando minha nau perto dele. Veloz, mas exato não me recordo a velocidade do uivo do vento; sei que era fortíssimo.

E eu estendida no mastro, ali, de frente a ele, tremulava mais que a vela do barco. Foi quando ele chegou ainda mais perto.

Uma foto ali, outra aqui. Fiquei sem graça. O estranho já me cercava em flor, e eu nem sabia o nome dele. Do outro barco, da outra margem da estranheza, o perfume daquele dourado – ele mais parecia o Sol do verão – era como um lótus.

Os flashes dos olhos melados cegaram-me. Quis lançar-me ao mar. Sem pudor. Com pressa. Não queria deixá-lo ir. Queria ser dele pra sempre. No fundo já o era.

Uma brisa errante, então, como aquela do Cerrado - pleno veleiro de vento -, transbordou minha loucura. A de nós dois! Ele se lançou primeiro ao mar, encorajando-me a ser a sereia dele. Eu, nem querendo saber se era um pirata, um espírito de luz, ou o quê. Acreditei que fosse um deus grego, e fui.

Fui dele até que a correnteza dos ventos alísios me resgatasse daquela tirania insensata, de amor que só deve durar uma estação e se cumpre pra ser contada - pra sempre - como um mar de
[amar.