Essa carta vai pelo vento mesmo. Selada a ar, a pingo, a espírito. Como era no princípio de todos os séculos e séculos, amém. Amém que o vento te encontre – como foi naquela noite esbaforida, numa esquina qualquer da vida –, te tope no ar, e grite: "Carta dela! Pega e assina aqui". Claro, carta registrada pra garantir. Garantir meu perfume percolando nas veias de tua mente. Garantir teus lábios em cada letra do meu nome. Nome que omito, mas reviro em todos os entardeceres no meu diário inacabado de desdéns. Desdéns que é nada demais pra uma engole-ventos, viu? Eu sei suportar as correntezas incontidas de um sopro grave: é só me agarrar a elas. Como o faz um coração preênsil. Aquele que se ancora nas margens, no topo, na raiz dos kardios adolescentes, sugando-lhes a seiva e o fulgor.
Foi assim que fizeste. Chegaste em remansos. Abusaste da oratória. E com pinta de poeta, cantou um hino de amor inabalável. Abalou o que não podia ter abalado. Meu marco zero. Meu princípio de ser. Ser livre. Ser vento. Fui engolida.
Mas por carta, mando lembretes para que não esqueças quem sou. Ou o que fui. Fui tua. Você dizia. E eu acreditei. Acreditei que pudesse ser além do que eu era. Acreditei que pudesse remasterizar aquele disco antigo, nossa trilha sonora, lembra? E agora que o telefone toca, eu penso: fui tua mesmo? Liga outra vez!
Vento amigo, mando dizer mais. Alerte de que minhas rêmiges não estão mais no mesmo ângulo. Elas nem lembram que eram penugens ralas e infantis: elas não balançam mais com águas covardes.
Águas passadas...
E mesmo que venhas por terra, mar ou nas asas de outro pássaro, ou se já me estás a esperar naquela esquina maldizente de cenário em lua afoiçada. Não cola. Não acredito. Liga outra vez!
Então eu juro. Juro por todos os santos e orixás que esta é a última carta, e serve pra isso. Pra dizer que não acabou, mas suporto. Minhas timoneiras é que me salvam deste voo-sem-bater-de-asas.
Agora senta e leia a carta.
Nossa Pri, que lindo. Lembrou-me Mário Quintana.
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