Dedico estas palavras às pessoas normais. E talvez seja uma forma de desculpar-me pelo constrangimento que as faça passar ao longo dos dias; ou, até, o medo que eu possa as incitar. Lamentavelmente, eu sou assim. Vivo de drogadição. Não há dia que eu não saia em disparada – como um crocodilo em ponto de fuga – em busca de amenidades. Calço um tênis surradinho, corpo e mente nus, e parto pro topo do morro. Ali onde me espreitam. Mas como boa moradora, o morro me assegura dos olhares perpendiculares. Basta encarar a montanha, posição namaskar, olhos fechados sentindo o abismo apaziguador. Levanto voo. Enquanto os carros passam às gargalhadas, agradeço o instante de alma liberta. Estou blindada.
E pouco importa o que pensam, ou o que dizem, ou com qual dedo me apontam. Aos que desviam seus passos pro outro lado pelo receio de roubar-lhes sua sensatez e sua moralidade, e aos que chegam mais perto pra ouvir o que canto, eu explico. Meu vício vem de cima. Dependo do Sol, da fuligem do vento, do torto da nuvem, do desmaio das estrelas. Não sou normal. Sou cativa do alto. Meus companheiros de cela são os bem-te-vis, o que rende muita música.
Por isso, não me condenem. A falta de pudor vem do céu – ser livre de nudezas – e eu descendo dele. Como ele, preciso sentir o vento passando em espirais pelos espaços do meu corpo. Dependo do alimento que não entra pela boca, mas pelas suturas mal feitas da pele. E são os assobios enrolados dos pássaros que me salvam, diariamente, desse mundo de normalidades e imitações prestigiadas.
De agora em diante, ao me encontrarem correndo, fiquem tranquilos. Vocês não são presas. Detesto gente normal. E nem adianta gritar meu nome, eu não vou ouvir. Vocês são surdos e escuto Chopin. E antes que esqueça; o balanceio dos meus braços seguido de namaskar, não é benzedura... É meu equilíbrio, é meu elo com o imanente – que desconheço –, é meu respiro cansado de um ar poluído e melancólico.
Bendita corrida do entardecer...
Que maravilha! 'Cê também é muito competente na prosa. Não estou surpreso pela descoberta. Sempre desconfiei de que havia uma prosadora escondidinha por detrás da poetisa. Que bom! Agora estou muito mais tranquilo. Quero dizer, nem tanto! É, Priscila Fernanda Rech. A escritora.
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