segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Escrevo pra esquecer o que disse
que disse?
se disse
nem sei se disse
foste o vento quem levou

sozinhas
as palavras acompanhadas que ficaram pra trás

esquina deserta, agora
e carros, e nuvens, e abraços,
a multidão, sem freio

lembranças descobertas balançando na varanda
a hora
agora, a mão rabisca chuviscos

respiros de pesada saudade

sábado, 30 de outubro de 2010

Chovendo...


Bachelard fez da poética de uma vela acesa uma reflexão das mais profundas e belas de que já vi sobre os momentos de solidão pelos quais homens e mulheres vivenciam vez ou outra. Uma solidão que, na presença de uma vela, difere do estar sozinho pois é a luz a presença do Outro. Da luz as lembranças de um amor, de uma amizade ou a meditação sobre a nossa própria condição de estar no mundo.

Gotas de chuva no telhado parecem nos encaminhar pra um estado de contemplação interior como quando em presença da solidão de uma vela acesa. A chuva começa a cair – não importando os burburinhos e vozes de dentro da casa – e, logo, seu silêncio transparente inunda nossas mentes, apagando todos os ruídos externos. É quando a chuva pega pela mão de cada um e conduz todo ser pra sua toca, pra seu ninho mais íntimo, imanente. Tudo se apaga, somente tudo água caindo.

O silêncio da chuva inunda com a força de um trovão de luz. Embora a semelhança entre aquela e uma vela ardente ao nos colocar em solitude – melhor dizendo, em nos acompanhar de mãos entrelaçadas pela solitude –; enquanto a vela acende, a chuva apaga.

É da natureza da chuva lavar, purificando tudo o que há, alcançando os limbos das plantas, os veios da terra, os ouvidos dos canários e dos seres de mente humana; limpando as palavras mal ditas, as ações sem intenções de bem e os valores que não valorizam. Somente o Sol fica de fora, que não precisa de pureza maior que a água; já tem luz própria.

A chuva que cai com desprendimento, que se derrama sem apego a sua nuvem-mãe e sem medo da altura de seu salto ou da superfície que fará seu amortecimento, nos traz a gentil lembrança de que o medo e o apego total às coisas não devam ser a condução para nossas existências. Há um propósito maior na vida de cada um, de cada ser, do homem às pétalas de água que, agora, forjam minha cabeça a sonhar como Bachelard, sonhos de água e de vela.

Encher os bebedouros da Terra com água e valores de água quiçá seja o propósito que vem do céu. Ouvir seu silêncio imaculado, deixar que o tilintar da chuva nos dissolva das máculas do pior dos mundos – esta sociedade – e que recarregue nossos mananciais de vida e esperança é uma dádiva e ocasião de regozijo. Que cada chuva seja um presente, uma oportunidade de silenciar e deixar sentir o que virá, de entrar em comunhão mais profunda entre o Eu e o Eu mesmo.

Chovendo...

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Gente, eu sou normal!

Dedico estas palavras às pessoas normais. E talvez seja uma forma de desculpar-me pelo constrangimento que as faça passar ao longo dos dias; ou, até, o medo que eu possa as incitar. Lamentavelmente, eu sou assim. Vivo de drogadição. Não há dia que eu não saia em disparada – como um crocodilo em ponto de fuga – em busca de amenidades. Calço um tênis surradinho, corpo e mente nus, e parto pro topo do morro. Ali onde me espreitam. Mas como boa moradora, o morro me assegura dos olhares perpendiculares. Basta encarar a montanha, posição namaskar, olhos fechados sentindo o abismo apaziguador. Levanto voo. Enquanto os carros passam às gargalhadas, agradeço o instante de alma liberta. Estou blindada.

E pouco importa o que pensam, ou o que dizem, ou com qual dedo me apontam. Aos que desviam seus passos pro outro lado pelo receio de roubar-lhes sua sensatez e sua moralidade, e aos que chegam mais perto pra ouvir o que canto, eu explico. Meu vício vem de cima. Dependo do Sol, da fuligem do vento, do torto da nuvem, do desmaio das estrelas. Não sou normal. Sou cativa do alto. Meus companheiros de cela são os bem-te-vis, o que rende muita música.

Por isso, não me condenem. A falta de pudor vem do céu – ser livre de nudezas – e eu descendo dele. Como ele, preciso sentir o vento passando em espirais pelos espaços do meu corpo. Dependo do alimento que não entra pela boca, mas pelas suturas mal feitas da pele. E são os assobios enrolados dos pássaros que me salvam, diariamente, desse mundo de normalidades e imitações prestigiadas.

De agora em diante, ao me encontrarem correndo, fiquem tranquilos. Vocês não são presas. Detesto gente normal. E nem adianta gritar meu nome, eu não vou ouvir. Vocês são surdos e escuto Chopin. E antes que esqueça; o balanceio dos meus braços seguido de namaskar, não é benzedura... É meu equilíbrio, é meu elo com o imanente – que desconheço –, é meu respiro cansado de um ar poluído e melancólico.

Bendita corrida do entardecer...

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Cigana

pelas aragens
um pouco às margens
dos olhos
ia

de um lado
pro outro
com a confiança de um haboob no Egito

cruzando céus
escuros prantos
plátanos
prados que não são seus
são de ninguém

pelas estradas
a promessa de um novo mundo

pro lado
de um outro
mas com a astúcia de um saltimbanco

dourados
rendados
mãos videntes

ia
os salteadores de caminhos

domingo, 29 de agosto de 2010

Esboço reticente

Alças voo sem que eu explique o que foi aquilo. Aquilo que não digo. Aquilo que nem sei por que sinto.
Sinto.

Lá fora a chuva cai sem esperança de que algo vingue. No imo peito vingo-me por não ter te olhado mais longamente, por não ter me agarrado como picão na tua aura cor de nuvem e nela voado um pouco mais.

Cada minuto que reclama é uma gota a menos de ar nos pulmões; e, assim, o céu vai murchando. Você mais longe. Longe mais perto da lembrança que não foge. E não finjo o sorriso que te dei e o vermelho que manchou meu rosto. Minha boca já salivava tua música, aquela que antecede a dança descompassada das gaitas, resultado de um roteiro improvisado e sem compromisso.

Lá fora a chuva já não cai, e minha angústia é só mais uma em mil... Por não ter nascido antes de Halley e porque no dia em que picavas legumes eu não te encontrei no corredor daquela árvore. Meu apartamento era o 203!

E agora que eu te encontro, você escapa. E o cosmos ri de mim pela segunda vez. E eu rio desse desabafo porque, afinal, eu sou uma nefelibata, uma tola. Minhas asas nunca ombrearão com as tuas. Rio com o sotaque de um trovão de luz. Câmera. Ação. Brincadeira de menina...

Sem mais cena, mas ainda com uma agonia na alma e uma vontade de repisar o não dito, de ter contado 1,2,3,4,5 e mais tempo minha mão pousada em ti, tenho naquele ensaio um ex-voto de que foi só um começo. Um longa-metragem só depende de ti.